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Como o álbum “Lemonade” reforça a carreira de lutas sociais de Beyoncé

Atualizado: 6 de mar.


Não é novidade dizer que o álbum "Lemonade" de Beyoncé é uma obra prima que entrelaça música, poesia visual e ativismo, abordando temas profundos como raça, gênero, feminismo, traição, redenção e empoderamento. Através de uma narrativa pessoal que universaliza as experiências de mulheres negras, Beyoncé transforma sua arte em um veículo para discussões mais amplas sobre injustiças sociais, amor, perdão e a força da identidade negra.


A obra é um testemunho do poder da expressão artística como forma de resistência e conscientização, demonstrando como a música e a arte visual podem servir como alavancas para a mudança social e pessoal. "Lemonade" é mais do que um álbum; é uma declaração cultural que reafirma a importância da representatividade negra nos espaços de poder e na mídia, desafiando estereótipos e promovendo a humanização e o respeito por comunidades historicamente marginalizadas.


Beyoncé e a construção do seu discurso


Provavelmente você sabe quem é Beyoncé Giselle Knowles-Carter, mas, caso seja um pontinho perdido no vácuo do espaço, a artista nasceu em 4 de setembro de 1981, em Houston, Texas, filha de Mathew Knowles, um executivo musical, e Tina Knowles, uma figurinista. Irmã mais velha de Solange Knowles, que também é cantora e atriz, Beyoncé demonstrou talento para a música e dança desde muito cedo. Aos 7 anos, ela venceu um concurso de talentos cantando "Imagine" de John Lennon, o que levou seus pais a inscrevê-la em aulas de música e dança.


Sua carreira começou aos 8 anos, quando se juntou ao grupo musical Girl's Tyme, que mais tarde se tornaria o mundialmente famoso Destiny's Child em 1996. Gerenciado por seu pai, o grupo alcançou sucesso global, vendendo mais de 40 milhões de discos e ganhando inúmeros prêmios. Apesar dos conflitos internos e mudanças na formação do grupo, Beyoncé destacou-se como a vocalista principal.


Com a pausa de Destiny's Child em 2002, Beyoncé explorou outros interesses, incluindo atuação e uma carreira solo. Seu álbum de estreia solo, "Dangerously in Love" (2003), foi um sucesso comercial, estabelecendo-a como uma artista de destaque. Com o passar dos anos, surgiram mais álbuns, cada um demonstrando seu talento e versatilidade, e solidificando sua posição como uma das artistas (se não A artista) mais influentes do século.




Casada com o rapper Jay-Z desde 2008, com quem tem três filhos, Beyoncé se consolidou há anos como uma figura poderosíssima na música, no ativismo e na moda, usando sua plataforma para abordar questões de raça, gênero e justiça social. 


Além dos hits: músicas com letras empoderadas sempre fizeram parte do repertório da artista


Suas músicas sempre abordaram desde a independência feminina até a crítica aos padrões de beleza impostos às mulheres, culminando em uma expressiva manifestação de identidade negra e protesto contra o racismo sistêmico. Antes mesmo de “Lemonade”, Beyoncé já cantava sobre temas como:


"Independent Women Part I": Celebra a independência financeira e emocional das mulheres, encorajando-as a serem autossuficientes e não dependerem de figuras masculinas.


"Me, Myself and I" (2004), "Irreplaceable" (2006), e "If I Were a Boy" (2008): Essas músicas promovem mensagens de autoconfiança e independência, além de explorar a troca de papéis de gênero, desafiando as expectativas sociais impostas às mulheres.


"Run the World (Girls)" (2010): Essa marcou época e tornou-se um hino feminista, com seu refrão empoderador "Who run the world? Girls!", destacando a força e o poder feminino.


"Pretty Hurts" (2013): Critica os padrões de beleza inatingíveis impostos às mulheres, abordando questões como distúrbios alimentares e a pressão para se encaixar em ideais de beleza irreais.


Super Bowl, feminismo negro e protesto contra o racismo e a violência policial marcaram a era pré-Lemonade


No fim das contas, essas músicas citadas acima apenas nos prepararam para o que viria com o lançamento de “Lemonade”, em abril de 2016.


Pouco antes da estreia, Beyoncé foi uma das convidadas da banda Coldplay em sua apresentação no Super Bowl. Rodeada por bailarinas vestidas como Panteras Negras e utilizando símbolos que remetem à luta pelos direitos civis e figuras como Malcolm X, Beyoncé usou a ocasião para fazer um protesto visual e musical contra os assassinatos de negros pela polícia e para celebrar a identidade negra. Um dia antes havia sido lançado o clipe da música “Formation”, que fala também, entre outras coisas, do genocídio da população negra pelas forças policiais. O vídeo polêmico foi criticado por muitos, e policiais de algumas cidades como Miami e Nova Iorque chegaram a se negar a fazer a proteção da cantora durante sua turnê pelo país.


A verdade é que ela apenas mostrou que uma mulher no poder incomoda, e uma mulher negra no poder incomoda ainda mais, desafiando as normas sociais e empoderando seu público a fazer o mesmo. Através de suas letras, videoclipes e apresentações, Beyoncé exalta a identidade negra, denuncia os assassinatos da população negra por armas policiais e chama a atenção para a importância do orgulho negro. Seu trabalho não apenas eleva a representatividade negra na mídia mainstream, mas também serve como um chamado à ação e conscientização sobre as questões raciais e de gênero.


Depois da apresentação no intervalo mais caro do mundo e do lançamento da faixa “Formation”, houveram muitas críticas sobre um mero "feminismo de telão" que pairava sobre a artista - o que é uma grande injustiça não só com a cantora, mas também com seus fãs e com o movimento feminista em si. Vale lembrar que Beyoncé, sendo uma mulher negra, enfrenta críticas que muitas artistas brancas, auto-intituladas feministas, não recebem. Isso levanta questões sobre o racismo e o sexismo dentro e fora do movimento feminista. 




A maioria das mulheres negras vê Beyoncé como uma figura representativa do feminismo, enquanto muitas mulheres brancas se abstém de opinar ou negam a inclusão de Beyoncé no feminismo, cotidianamente fazendo comparações da artista com outras cantoras brancas a fim de menosprezá-la. Isso aponta para a necessidade de reconhecer a interseccionalidade dentro do feminismo, ou seja, a sobreposição das lutas contra o racismo, sexismo, e outras formas de opressão.


Apesar de sua riqueza e fama, Beyoncé não escapa do preconceito de gênero e raça, enfrentando desafios únicos como mulher negra em uma sociedade dominada por estruturas patriarcais, machistas, misóginas e racistas. E é por isso, por meio de sua arte, que Beyoncé não apenas chama atenção para as injustiças enfrentadas pela comunidade negra, mas também celebra a cultura negra, a resiliência e a luta por liberdade e igualdade. Ela usa sua visibilidade para amplificar questões de injustiça social, tornando-se uma voz importante no feminismo negro. 


Então, se você leu até aqui e não sabia quem era Beyoncé (ou sabia e leu mesmo assim), tenha em mente que a artista desempenha um papel significativo no feminismo negro, usando sua influência e fama para destacar questões de racismo e sexismo, promover a interseccionalidade e apoiar a luta por justiça e igualdade. Seu trabalho desafia as narrativas dominantes e incentiva um diálogo mais amplo sobre raça, gênero e opressão, reafirmando a importância de reconhecer e celebrar as diversas experiências e lutas das mulheres negras dentro do feminismo.


Se a vida te der limões, faça um álbum histórico


Todos os fatores já ditos contribuem para que “Lemonade” seja um dos melhores álbuns de todos os tempos porque, além das músicas milimetricamente perfeitas, existe uma história de luta e superação por trás. Musicalmente, o disco é também um conjunto bem diversificado apresentado pela cantora. As músicas vão do pop ao country (como em “Daddy Lessons”), passando por R&B, rock e blues.


O álbum visual traz a sequência das faixas representando emoções como: intuição, negação, ira, apatia, vazio, prestação de contas, reformulação, perdão, ressurreição, esperança e redenção. Dividido em três partes, somos lembrados a todo momento que Beyoncé não é um ser inatingível, dotado de poderes especiais ou de uma vida repleta apenas de glamour. Beyoncé é um ser humano que sente, sofre e ama, tal como todos nós. O jogo de palavras e a busca pelo significado traduzem o início do álbum.


Intuição, negação e ira (“Pray You Catch Me”, “Hold Up” e Don’t Hurt Yourself”) revelam uma mulher enganada, traída e paralisada pelo medo do que está por vir. Músicas em tons acusatórios em junção com letras de auto culpabilização, ao mesmo tempo em que demonstram uma mulher que não quer ceder ao sofrimento. Vale lembrar que o álbum surge em meio a polêmicas de traição e momentos difíceis entre Beyoncé e Jay Z.


Apatia, vazio e responsabilidade (“Sorry”, “6 Inch” e “Daddy Lessons”) carregam a segunda parte de Lemonade, o que pode ser considerado uma segunda fase do processo de luto pela traição. 


Reforma e perdão (“Love Drought” e Sandcastles”) integram a segunda parte de Lemonade, porém eu classificaria como a terceira parte da superação ao sofrimento que lhe foi causado, pois é nessa hora que Beyoncé retoma as palavras de amor e de afeto, presentes depois do período de luto pelo qual estava passando. A narrativa mostra uma mulher que se reconciliou com o marido e que está lutando, junto ao mesmo, para que a felicidade após a tempestade seja possível. Após o período de luto, vem a superação e o recomeço, quando Beyoncé dirige o olhar para além da sua perspectiva individual.


Ressurreição, esperança e redenção (“Forward”, “Freedom” e “All Night”) são as palavras mais intensas e significativas nesse sentido, por abordar questões raciais de forma coletiva. Como dito antes, “Formation”, a última faixa e um resumo do álbum, representa um ponto crucial na carreira de Beyoncé, marcando sua expressiva manifestação de identidade negra e protesto contra o racismo e a violência policial. A música e o videoclipe destacam a importância da cultura negra, a beleza do cabelo afro, e fazem alusões aos famosos simbolos de resistência e orgulho negro. A faixa “Freedom", em colaboração com Kendrick Lamar, aborda diretamente a luta contra o racismo e a opressão, fazendo referência à necessidade de liberdade e justiça para a comunidade negra. Estas músicas, juntamente com todo o álbum visual, ilustram a jornada de Beyoncé como uma artista que não apenas entretém, mas também conscientiza e provoca discussões críticas sobre gênero, raça e injustiça social, reafirmando seu papel no feminismo e na luta contra o racismo.


Usar uma voz para ampliar vozes e histórias não é para qualquer uma, ainda mais quando são aquelas vozes frequentemente silenciadas. Se existe algo em que acredito, é que a música tem o direito de ser fútil, mas tem o poder de transformar. "Lemonade" é um marco na carreira de Beyoncé e na cultura popular, que transcende o entretenimento para se tornar um importante comentário social e político. Através de suas letras, imagens e narrativas, Beyoncé convida o mundo a refletir sobre temas cruciais, inspirando ações e conversas que buscam um futuro mais inclusivo e justo. Este álbum reitera a força da arte como ferramenta de transformação social, ressaltando a necessidade de empatia, diálogo e mudança na forma como lidamos com as questões de raça e gênero em nossa sociedade.


Por todas as faixas de diferentes ritmos e compassos, é ela quem segura o álbum como um todo unificado e sagrado. Este é claramente o trabalho de uma artista que sabe que vive no topo de sua forma, mostrando uma Beyoncé mais segura de si e, principalmente, das suas origens. Me parece que foi o momento em que a cantora se permitiu ser vista, sentida, ouvida e compreendida. No fim das contas, toda a história, as vivências, o talento e as emoções ali presentes fizeram de “Lemonade” um álbum histórico.



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